sexta-feira, 18 de março de 2016

Afinal, a publicação nos meios de comunicação de interceptação telefônica fere o direito fundamental à intimidade e vida privada? Contextualizando o cenário político atual.


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada de Constituição Cidadã, inaugurou um Estado Democrático de Direito, caracterizado pela limitação do Poder Estatal e a consagração de vasto rol de direitos fundamentais.
Dentre os direitos fundamentais contemplados, merece destaque o direito à intimidade e à vida privada. Trata-se de direito fundamental de primeira dimensão, que assegura a proteção à esfera particular de cada indivíduo, evitando-se indevidas ingerências por parte do Estado, bem como a exposição desarrazoada a público.

Entretanto, por força do princípio da convivência das liberdades públicas, entende-se inexistir direitos absolutos, até porque “só há liberdade onde há restrição da liberdade”. Nessa linha, conclui-se que o desvirtuamento do direito fundamental à intimidade e à vida privada, quando exercidas de modo a encobrir práticas de condutas delitivas, configura hipótese de abuso do direito.
Em tais casos, a própria Lei Fundamental de 1988, em seu art. 5º, inciso XII, permite a mitigação (relativização) deste direito ao prever ser “inviolável o sigilo [...] das  comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
Por se enquadrar como norma constitucional de eficácia limitada, consoante classificação de José Afonso da Silva, as comunicações telefônicas podem ser interceptadas por ordem judicial, porém demandam um complemento legal. A Lei n. 9.296/96 foi editada com o objetivo de preencher este vazio legislativo. A partir de então, a interceptação das comunicações telefônicas passou a ter respaldo legal.
E o que seria a interceptação telefônica? Ela consiste em meio de obtenção de prova na qual um terceiro capta comunicação telefônica alheia, sem o conhecimento de nenhum dos interlocutores. Esta técnica é uma medida excepcional, atrelada aos requisitos legais, e, por envolver direitos fundamentais, submete-se à cláusula de reserva de jurisdição.
Por estar submetida a diversos regramentos legais, visando a preservar o sigilo das diligências, gravações e transcrições (art. 8º da Lei n. 9.296/96) sob a justificativa de se assegurar a efetividade das investigações ou da instrução processual, indaga-se: seria possível a publicação, em meio de comunicação, do conteúdo extraído deste meio de prova ou estaria configurada hipótese violação à privacidade do investigado? O direito à informação pela sociedade deve prevalecer no caso.
E no caso do atual ou pretérito Ministro da Casa Civil, Luiz Inácio “Lula” da Silva? Primeiro é importante contextualizar o cenário atual.
No dia 16/03/2016, o Juiz Federal Sérgio Moro enviou aos meios de comunicação trechos de interceptação telefônica do ex-Presidente, na condição de investigado pela Operação Lava Jato, presidida pela Polícia Federal. Entretanto, relevante parte da comunidade jurídica questiona a atitude tomada pelo magistrado, classificando-a como ilegal e violadora do direito fundamental à liberdade, intimidade e vida privada. Outra agravante estaria no fato de que a interceptação configuraria uma prova ilícita, pois colhida após a suspensão da autorização judicial (aproximadamente duas horas depois).
Pois bem.
Este caso revela um clássico conflito entre princípios constitucionais. De um lado o direito à liberdade, intimidade e vida privada do investigado; de outro, do direito à informação, titulada por todo o povo brasileiro. Diz-se de toda a população, porque há notório interesse em acompanhar o rumo da política brasileira.
Pelo princípio da concordância prática, havendo colisão de princípios constitucionais, uma das normas deve ter seu conteúdo dilatado, em contrapartida, o da outra norma será comprimido, sem, no entanto, extirpá-la, preservando-se o seu núcleo essencial e intangível. Esta é a técnica de sopesamento, consoante ensinamentos de Robert Alexy.
Assim, o direito à informação deve prevalecer, ainda mais porque beneficia um número infinitamente superior de titulares quando comparado ao direito à intimidade e vida privada do investigado. Com isso, fomenta-se o princípio democrático, potencializando a participação do cidadão na formação da vontade política do Estado, ainda mais em período de insatisfação com os seus representantes.
Embora esta interceptação seja ilícita para a formação de elementos probatórios aptos a influenciar o livre convencimento motivado do juiz em processo penal, é inegável a sua validade no prisma político, diante do inegável interesse público primário de se buscar a verdade sobre o esquema de corrupção e desvirtuamento da finalidade da máquina administrativa.
A atitude do Juiz Federal Sérgio Moro, portanto, pode ser classificada como um ato de heroísmo e amor à pátria, pois embasado juridicamente na prevalência do direito à informação e formação da opinião política do povo em detrimento de abuso de direito à intimidade e vida privada para se arquitetar empreitadas criminosas contra o patrimônio Público.


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