A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alcunhada de
Constituição Cidadã, inaugurou um Estado Democrático de Direito, caracterizado
pela limitação do Poder Estatal e a consagração de vasto rol de direitos
fundamentais.
Dentre os direitos fundamentais contemplados, merece destaque o direito
à intimidade e à vida privada. Trata-se de direito fundamental de primeira
dimensão, que assegura a proteção à esfera particular de cada indivíduo,
evitando-se indevidas ingerências por parte do Estado, bem como a exposição
desarrazoada a público.
Entretanto, por força do princípio da convivência das liberdades
públicas, entende-se inexistir direitos absolutos, até porque “só há liberdade
onde há restrição da liberdade”. Nessa linha, conclui-se que o desvirtuamento
do direito fundamental à intimidade e à vida privada, quando exercidas de modo
a encobrir práticas de condutas delitivas, configura hipótese de abuso do
direito.
Em tais casos, a própria Lei Fundamental de 1988, em seu art. 5º, inciso
XII, permite a mitigação (relativização) deste direito ao prever ser
“inviolável o sigilo [...] das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para
fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
Por se enquadrar como norma constitucional de eficácia limitada,
consoante classificação de José Afonso da Silva, as comunicações telefônicas
podem ser interceptadas por ordem judicial, porém demandam um complemento
legal. A Lei n. 9.296/96 foi editada com o objetivo de preencher este vazio legislativo.
A partir de então, a interceptação das comunicações telefônicas passou a ter
respaldo legal.
E o que seria a interceptação telefônica? Ela consiste em meio de
obtenção de prova na qual um terceiro capta comunicação telefônica alheia, sem
o conhecimento de nenhum dos interlocutores. Esta técnica é uma medida
excepcional, atrelada aos requisitos legais, e, por envolver direitos
fundamentais, submete-se à cláusula de reserva de jurisdição.
Por estar submetida a diversos regramentos legais, visando a preservar o
sigilo das diligências, gravações e transcrições (art. 8º da Lei n. 9.296/96)
sob a justificativa de se assegurar a efetividade das investigações ou da
instrução processual, indaga-se: seria possível a publicação, em meio de
comunicação, do conteúdo extraído deste meio de prova ou estaria configurada
hipótese violação à privacidade do investigado? O direito à informação pela
sociedade deve prevalecer no caso.
E no caso do atual ou pretérito Ministro da Casa Civil, Luiz Inácio
“Lula” da Silva? Primeiro é importante contextualizar o cenário atual.
No dia 16/03/2016, o Juiz Federal Sérgio Moro enviou aos meios de
comunicação trechos de interceptação telefônica do ex-Presidente, na condição
de investigado pela Operação Lava Jato, presidida pela Polícia Federal.
Entretanto, relevante parte da comunidade jurídica questiona a atitude tomada
pelo magistrado, classificando-a como ilegal e violadora do direito fundamental
à liberdade, intimidade e vida privada. Outra agravante estaria no fato de que
a interceptação configuraria uma prova ilícita, pois colhida após a suspensão
da autorização judicial (aproximadamente duas horas depois).
Pois bem.
Este caso revela um clássico conflito entre princípios constitucionais.
De um lado o direito à liberdade, intimidade e vida privada do investigado; de
outro, do direito à informação, titulada por todo o povo brasileiro. Diz-se de
toda a população, porque há notório interesse em acompanhar o rumo da política
brasileira.
Pelo princípio da concordância prática, havendo colisão de princípios
constitucionais, uma das normas deve ter seu conteúdo dilatado, em
contrapartida, o da outra norma será comprimido, sem, no entanto, extirpá-la,
preservando-se o seu núcleo essencial e intangível. Esta é a técnica de
sopesamento, consoante ensinamentos de Robert Alexy.
Assim, o direito à informação deve prevalecer, ainda mais porque
beneficia um número infinitamente superior de titulares quando comparado ao
direito à intimidade e vida privada do investigado. Com isso, fomenta-se o princípio
democrático, potencializando a participação do cidadão na formação da vontade
política do Estado, ainda mais em período de insatisfação com os seus
representantes.
Embora esta interceptação seja ilícita para a formação de elementos
probatórios aptos a influenciar o livre convencimento motivado do juiz em
processo penal, é inegável a sua validade no prisma político, diante do
inegável interesse público primário de se buscar a verdade sobre o esquema de
corrupção e desvirtuamento da finalidade da máquina administrativa.
A atitude do Juiz Federal Sérgio Moro, portanto, pode ser classificada
como um ato de heroísmo e amor à pátria, pois embasado juridicamente na
prevalência do direito à informação e formação da opinião política do povo em
detrimento de abuso de direito à intimidade e vida privada para se arquitetar
empreitadas criminosas contra o patrimônio Público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário