sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Questão subjetiva de Direito Penal e Processual Penal (VI Exame de Ordem Unificado - FGV)

QUESTÃO:

Ao chegar a um bar, Caio encontra Tício, um antigo desafeto que, certa vez, o havia ameaçado de morte. Após ingerir meio litro de uísque para tentar criar coragem de abordar Tício, Caio partiu em sua direção com a intenção de cumprimentá-lo. Ao aproximar-se de Tício, Caio observou que seu desafeto bruscamente pôs a mão por debaixo da camisa, momento em que achou que Tício estava prestes a sacar uma arma de fogo para vitimá-lo. Em razão disso, Caio imediatamente muniu-se de uma faca que estava sobre o
balcão do bar e desferiu um golpe no abdômen de Tício, o qual veio a falecer. Após análise do local por peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, descobriu-se que Tício estava tentando apenas pegar o maço de cigarros que estava no cós de sua calça.

Considerando a situação acima, responda aos itens a seguir, empregando os argumentos jurídicos apropriados e a fundamentação legal pertinente ao caso.

a) Levando-se em conta apenas os dados do enunciado, Caio praticou crime? Em caso positivo, qual? Em caso negativo, por que razão? (Valor: 0,65)

b) Supondo que, nesse caso, Caio tivesse desferido 35 golpes na barriga de Tício, como deveria ser analisada a sua conduta sob a ótica do Direito Penal? (Valor: 0,6)

RESPOSTA:

a) Para se saber se Caio praticou ou não um crime, precisa-se analisar previamente o instituto do erro de tipo, previsto no art. 20, § 1º, do Código Penal, com base a Teoria Limitada da Culpabilidade.

Caio pretendia, a princípio, cumprimentar Tício. Foi por tal motivo que Caio ingeriu bebida alcoólica, até porque coragem lhe faltava. Não havia intenção premeditada de qualquer agressão física, apenas de cumprimentá-lo.

Todavia, Caio, ao antever um movimento brusco de Tício, errou quanto à realidade ao imaginar tratar-se da concretização do mal prometido por seu desafeto, a ser levado a efeito por meio de arma de fogo, sendo que, na verdade, Tício pretendia pegar um maço de cigarros que estava no cós de sua calça. Como consequência de seu imaginário, Caio, acreditando estar amparado pela excludente de ilicitude legítima defesa, rechaçou uma iminente injusta agressão hipotética, baseada na concretização da ameaça de morte, através de um golpe fatal de arma branca (uma faca) contra seu desafeto.

A conduta de Caio, visivelmente, amparou-se numa descriminante putativa, isto é, excludente de ilicitude imaginária, que seria legítima se a suposição fática dentro do imaginário do agente viesse a ser posta em prática. Como o erro de Caio foi quanto à realidade, resta caracterizado o erro de tipo. Duas são as consequências deste instituto: se o erro for plenamente justificável pelas circunstâncias, o agente será isento de pena (erro de tipo escusável); se o erro derivar de culpa e o fato for punível como crime culposo, não haverá a isenção de pena, respondendo o agente a título de culpa (art. 20, §1º, do Código Penal), no caso homicídio culposo.

No tocante à última consequência, interessante se fazer uma observação: apesar da conduta de matar alguém ser dolosa, mesmo embasada em descriminante putativa, pois o agente tinha vontade e consciência de liquidar o bem jurídico vida, a responsabilização será a título culposo por razões de política criminal. A doutrina classifica esse elemento subjetivo do tipo, um tanto peculiar, como culpa imprópria, por se tratar de uma conduta dolosa apenada como se culposa fosse.

b) Porventura Caio desferisse trinta e cinco golpes de faca na barriga de Tício, o instituto do erro de tipo seria inaplicável. Para o agente se valer da legítima defesa, até mesmo putativa, os meios utilizados para se fazer cessar a injusta agressão devem ser moderados e proporcionais (art. 25 do CP). O agente, nas situações de desproporção, responde pelo excesso (art. 23, p. único, do CP). Como Caio excedeu de forma completamente desarrazoada, não há como se cogitar a incidência do erro de tipo, pois o excesso não guarda qualquer relação com o erro quanto à realidade. Caio responderá por homicídio doloso.

Um comentário:

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