quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Fale sobre .... Serendipidade



Serendipidade, embora seja uma terminologia pomposa, tem um significado bastantes simples, correspondendo ao “encontro fortuito de provas”.
Nesta situação, o órgão do Ministério Público ou a autoridade policial, no decurso de investigações centradas, por exemplo, em um determinado indivíduo, vem a descobrir que outras pessoas estão envolvidas; ou então descobre-se a ocorrência de outro crime.
Isso é muito comum nas interceptações das comunicações telefônicas, nas quais se intercepta terminais telefônicos para se buscar elementos probatórios para fortalecer as investigações sobre o “indiciado”, porém descobre-se, por acaso, que um terceiro, que não é objeto das apurações inquisitoriais, também está envolvido na empreitada criminosa.
A Lei 9.296/1995, em seu art. 2º, parágrafo único, aduz que a medida judicial de interceptação telefônica, para ser concedida, exige individualização da situação objeto da investigação, bem como a indicação e qualificação dos investigados. Isso não quer dizer, entretanto, que o encontro fortuito de provas não é admitida pelo legislador. A jurisprudência dos Tribunais Superiores aceita a serendipidade, sendo válida a prova encontrada por acaso no decorrer da investigação. Porventura se queira investigar mais terceiro que se descobriu participar da empreitada criminosa, com a inclusão de novo terminal, faz-se necessário que o membro do Parquet requeira nova interceptação telefônica de forma individualizada (o delegado de polícia pode representar pela medida).
Para corroborar o afirmado, trago julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES FISCAIS. QUADRILHA. CORRUPÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DE TRIBUTOS TIDOS COMO SONEGADOS.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional.
2. Notícias anônimas de crime, desde que verificada a sua credibilidade por apurações preliminares, podem servir de base válida à investigação e à persecução criminal.
3. Apesar da jurisprudência desta Suprema Corte condicionar a persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo (Súmula vinculante nº 24), o mesmo não ocorre quanto à investigação preliminar.
4. A validade da investigação não está condicionada ao resultado, mas à observância do devido processo legal. Se o emprego de método especial de investigação, como a interceptação telefônica, foi validamente autorizado, a descoberta fortuita, por ele propiciada, de outros crimes que não os inicialmente previstos não padece de vício, sendo as provas respectivas passíveis de ser consideradas e valoradas no processo penal.
5. Fato extintivo superveniente da obrigação tributária, como o pagamento ou o reconhecimento da invalidade do tributo, afeta a persecução penal pelos crimes contra a ordem tributária, mas não a imputação pelos demais delitos, como quadrilha e corrupção. 6. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, mas com concessão da ordem, em parte, de ofício.
(HC 106152, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106 DIVULG 23-05-2016 PUBLIC 24-05-2016)

PENAL  E  PROCESSUAL  PENAL.  RECURSO  EM  HABEAS  CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA  E  FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO ASAFE. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA  PELA  AUSÊNCIA  DE  DOCUMENTOS  QUE  EMBASARAM  A  DENÚNCIA.
DESNECESSIDADE.  INCOMPETÊNCIA  DO JUÍZO NO QUAL HOUVE SERENDIPIDADE OU  ENCONTRO  FORTUITO  DE  PROVAS.  NÃO CONFIGURAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA  COMO  PRIMEIRA  MEDIDA  INVESTIGATIVA.  NÃO  OCORRÊNCIA. NULIDADES  DAS  INTERCEPTAÇÕES  TELEFÔNICAS  E  AMBIENTAIS.  STJ É A AUTORIDADE   COATORA.   IMPOSSIBILIDADE   DE  CONHECIMENTO.  RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.
1.  Não  há  violação  ao  princípio  da ampla defesa a ausência das decisões   que   decretaram   a   quebra  de  sigilo  telefônico  em investigação  originária,  na qual de modo fortuito ou serendipidade se constatou a existência de indícios da prática de crime diverso do que  se buscava, servindo os documentos juntados aos autos como mera notitia  criminis,  em  razão da total independência e autonomia das investigações por não haver conexão delitiva.
2.  O  chamado  fenômeno  da serendipidade ou o encontro fortuito de provas  -  que  se  caracteriza  pela descoberta de outros crimes ou sujeitos  ativos  em  investigação  com  fim  diverso - não acarreta qualquer  nulidade  ao  inquérito  que se sucede no foro competente, desde  que  remetidos  os  autos  à  instância  competente  tão logo verificados indícios em face da autoridade.
3.  Eventuais  insurgências  em  face  de  decisões  proferidas pelo ministro(a)  relator(a) de inquéritos que tramitaram perante a Corte Especial  do  STJ, devem ser submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal,  face sua competência originária conforme art. 102, I, "i", CF.
4. Recurso em habeas corpus parcialmente conhecido e improvido.

(RHC 60.871/MT, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 17/10/2016)


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