Serendipidade,
embora seja uma terminologia pomposa, tem um significado bastantes simples,
correspondendo ao “encontro fortuito de provas”.
Nesta
situação, o órgão do Ministério Público ou a autoridade policial, no decurso de
investigações centradas, por exemplo, em um determinado indivíduo, vem a
descobrir que outras pessoas estão envolvidas; ou então descobre-se a
ocorrência de outro crime.
Isso
é muito comum nas interceptações das comunicações telefônicas, nas quais se
intercepta terminais telefônicos para se buscar elementos probatórios para
fortalecer as investigações sobre o “indiciado”, porém descobre-se, por acaso,
que um terceiro, que não é objeto das apurações inquisitoriais, também está
envolvido na empreitada criminosa.
A
Lei 9.296/1995, em seu art. 2º, parágrafo único, aduz que a medida judicial de
interceptação telefônica, para ser concedida, exige individualização da
situação objeto da investigação, bem como a indicação e qualificação dos
investigados. Isso não quer dizer, entretanto, que o encontro fortuito de
provas não é admitida pelo legislador. A jurisprudência dos Tribunais
Superiores aceita a serendipidade, sendo válida a prova encontrada por acaso no
decorrer da investigação. Porventura se queira investigar mais terceiro que se
descobriu participar da empreitada criminosa, com a inclusão de novo terminal,
faz-se necessário que o membro do Parquet
requeira nova interceptação telefônica de forma individualizada (o delegado de
polícia pode representar pela medida).
Para
corroborar o afirmado, trago julgados recentes do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO
CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIMES FISCAIS. QUADRILHA.
CORRUPÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA. ENCONTRO FORTUITO DE
PROVAS. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DE TRIBUTOS TIDOS COMO SONEGADOS.
1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê
a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante
da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de
novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal
próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional.
2. Notícias anônimas de crime, desde que verificada a sua
credibilidade por apurações preliminares, podem servir de base válida à
investigação e à persecução criminal.
3. Apesar da jurisprudência desta Suprema Corte condicionar a
persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo (Súmula
vinculante nº 24), o mesmo não ocorre quanto à investigação preliminar.
4. A validade
da investigação não está condicionada ao resultado, mas à observância do devido
processo legal. Se o emprego de método especial de investigação, como a
interceptação telefônica, foi validamente autorizado, a descoberta fortuita,
por ele propiciada, de outros crimes que não os inicialmente previstos não
padece de vício, sendo as provas respectivas passíveis de ser consideradas e
valoradas no processo penal.
5. Fato extintivo superveniente da obrigação tributária, como o
pagamento ou o reconhecimento da invalidade do tributo, afeta a persecução
penal pelos crimes contra a ordem tributária, mas não a imputação pelos demais
delitos, como quadrilha e corrupção. 6. Habeas corpus extinto sem resolução de
mérito, mas com concessão da ordem, em parte, de ofício.
(HC 106152, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106 DIVULG 23-05-2016 PUBLIC 24-05-2016)
(HC 106152, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-106 DIVULG 23-05-2016 PUBLIC 24-05-2016)
PENAL E
PROCESSUAL PENAL. RECURSO
EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA E
FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO ASAFE. VIOLAÇÃO DA AMPLA DEFESA PELA
AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS
QUE EMBASARAM A
DENÚNCIA.
DESNECESSIDADE. INCOMPETÊNCIA
DO JUÍZO NO QUAL HOUVE SERENDIPIDADE OU
ENCONTRO FORTUITO DE
PROVAS. NÃO CONFIGURAÇÃO.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA COMO PRIMEIRA
MEDIDA INVESTIGATIVA. NÃO
OCORRÊNCIA. NULIDADES DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
E AMBIENTAIS. STJ É A AUTORIDADE COATORA.
IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Não há violação
ao princípio da ampla defesa a ausência das decisões que
decretaram a quebra
de sigilo telefônico
em investigação originária, na qual de modo fortuito ou serendipidade se
constatou a existência de indícios da prática de crime diverso do que se buscava, servindo os documentos juntados
aos autos como mera notitia
criminis, em razão da total independência e autonomia das
investigações por não haver conexão delitiva.
2. O chamado fenômeno
da serendipidade ou o encontro fortuito de provas -
que se caracteriza
pela descoberta de outros crimes ou sujeitos ativos
em investigação com
fim diverso - não acarreta
qualquer nulidade ao
inquérito que se sucede no foro
competente, desde que remetidos
os autos à
instância competente tão logo verificados indícios em face da
autoridade.
3. Eventuais
insurgências em face
de decisões proferidas pelo ministro(a) relator(a) de inquéritos que tramitaram
perante a Corte Especial do STJ, devem ser submetidas ao crivo do Supremo
Tribunal Federal, face sua competência
originária conforme art. 102, I, "i", CF.
4.
Recurso em habeas corpus parcialmente conhecido e improvido.
(RHC
60.871/MT, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe
17/10/2016)
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